(Texto publicado no jornal Itinerário de 01.09.1948)
Na conferência da UNESCO, que teve lugar o ano passado na Cidade do México, estudaram-se os meios de tornar eficaz em todo o mundo, especialmente nos povos atrasados, o combate ao analfabetismo. Por combate ao analfabetismo não se entende, como até há pouco tempo, a simples instrução de ler e escrever, mas sim uma instrução em conjunto de varias matérias, a que se chamou Educação Fundamental.
Os objectivos, definição e meios de efectivação da Educação Fundamental vêm publicados no relatório com esse título (Fundamental Education) apresentado por um comité especial da Unesco, de que vamos resumir algumas ideias.
O relatório é prefaciado por Julien Huxley, Director-Geral da Unesco, do qual temos falado aos leitores em outros artigos. Diz Julien Huxley que, tal como Abraham Lincoln, julgava que uma nação não pode permanecer metade escrava e metade livre; o mesmo é verdadeiro a respeito do mundo. Se a metade dos povos do mundo é negada a liberdade elementar que consiste em saber ler e escrever, falta alguma coisa nos princípios básicos em que se empenham as Nações Unidas. A Educação Fundamental, diz Julien Huxley, é apenas parte da compreensão humana mais completa e mais profunda a que se dedica a Unesco, mas é uma parte essencial.
A Educação Fundamental não abrange apenas o ensino a toda a gente de ler, escrever e contar. Inclui também a preparação para melhores condições de vida, o estudo e aplicação de métodos elementares da planificação comunal, aprendizagem e esclarecimento das populações no campo da higiene, encorajamento e desenvolvimento das aptidões naturais dos povos para artes e ofícios.
O representante da África do Sul na conferência da Unesco foi o Senador Brookes, que disse quando regressou: “A guerra à ignorância vai começar, especialmente em países como a China, a India ou África. Entrando em conta com estas populações, metade, pelo menos, da população do mundo é analfabeta“.
Para o Senador Brookes, a campanha da Unesco para levar a Educação Fundamental aos povos atrasados é o maior movimento mundial no sentido da desenalfabetização das massas ignorantes.
Diz o relatório citado que a Educação Fundamental tem um sentido real e não puramente formal. O seu fim é melhorar a vida da nação influenciando o meio natural e social. Sob este ponto de vista, a Educação Fundamental será uma força, trabalhando para a evolução social e mesmo para transformações radicais.
O relatório diz que a ignorância é uma ameaça para a saúde e felicidade do povo que dela sofre, e afecta mesmo a prosperidade do mundo considerado como um todo, se persistirmos em querer ver um só mundo (one world).
Como pressuposto da Educação Fundamental deve prever-se um mínimo nível de vida, isto é, de alimentação, saúde, instrução e facilidades de recreio, abaixo do qual nenhum povo do mundo deve viver.
Não se deve chamar ainda abundância a esse nível de vida mínimo, mas a nenhum povo ou grupo deve ser permitido passar fome ou perecer de doenças que se podem prevenir.
A Educação Fundamental tem como objectivo instruir, não só as crianças mas também os adultos. Segundo o Senador Brookes, caso se deixem permanecer na ignorância as actuais gerações adultas, teremos de adiar por uma geração os efeitos da Educação Fundamental.
O relatório da Unesco refere-se aos planos de desenvolvimento económico das regiões atrasadas, dizendo que a Unesco está interessada neles na parte em que se relacionam com os planos para a Educação Fundamental, ou em que mesmo a tornam possível. Salienta o relatório que nenhum dos termos – desenvolvimento económico e educação fundamental – pode esperar pelo outro. Seria muito simples dizer: “Eduquem-se os povos e depois desenvolvam-se as terras“; ou, ao contrário: “Desenvolvam-se os recursos do país e depois com eles pagaremos a educação do seu povo“. Mas ambas estas posições doutrinárias são insustentáveis no mundo de hoje.
Com efeito, a Unesco parte do princípio que a Educação Fundamental, tem que ser acompanhada de um nível de vida mínimo e correspondente desenvolvimento económico, mas o desenvolvimento económico, industrial e agrícola, não pode dar rendimento se não quando os obreiros, do mais simples ao mais qualificado, tenham um mínimo de habilitações literárias e técnicas.
Já neste jornal e noutros chamámos a atenção para a personalidade do Dr. Julien Huxley, Presidente da Unesco, e dissemos como foi dos primeiros colonialistas a ver e a expôr claramente a interdependência de três factores principais no desenvolvimento dos povos atrasados: instrução-saúde-nível de vida, este último ligado à industrialização e produção agrícola, que portanto devem ter desenvolvimento concomitante com a saúde e a instrução.
É-nos grato afirmar que também nesta Colónia tem havido pessoas com responsabilidades que sabem ver assim os problemas ligados ao da instrução e a importância desta como base de qualquer plano sanitário ou económico.
É o caso do Dr. Aires Pinto Ribeiro no “Programa da Acção Sanitária e Profilática”, publicado pela Direcção de Serviços de Saúde. Nele se fala na instrução e se preconizam os livros onde se devem ensinar coisas úteis, prevendo-se ao mesmo tempo o desenvolvimento económico suficiente para, andando os nativos vestidos, calçados e bem alimentados, poderem mais fácilmente evitar a doença.
Isto demonstra que vão tendo fim as ideias do século XVIII sobre a felicidade do selvagem livre vivendo no meio da natureza ou a crença na felicidade dos outros proveniente da bem aventurada ignorância.
José Santa Rita
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